quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O pastor e sua aldeia - parte IV

Cada um de nós é suspeito de falar de sua terra, porque eu gosto imensamente de Limoeiro. Já tive oportunidades, até convites para sair daqui, para trabalhar em Fortaleza. Nunca aceitei, porque gosto imensamente do nosso povo, justamente por isso: por ser um povo bom, acolhedor.
Também tive essa satisfação de sempre viver no meio de jovens, o que me deu uma certa modulação, no sentido de entender as transformações, as mudanças, como essa que a gente vive.
Era o que eu poderia dizer a respeito da cidade de Limoeiro, do seu povo, da sua população, que foi constituída inicialmente de poucas famílias e, justamente por essa situação de viver um pouco à margem das rodovias, parece que houve muitos casamentos interfamiliares, de forma que é difícil você não ter um parente quando vai para a terceira ou quarta geração. As famílias quase todas têm lá o seu tronco comum. Isso talvez explique também um pouco o fato de a cidade conservar esses traços de personalidade própria que a distinguem de Russas, de Morada Nova, de Tabuleiro, etc., sem nenhuma crítica a essas nossas cidades vizinhas, irmãs, já que cada uma tem sua maneira de ser, tem seus costumes, suas tradições.




O pastor e sua aldeia - parte III


É um povo religioso [o povo limoeirense], tem uma tradição religiosa muito firme, embora em certa camada da população, sobretudo da classe média-alta para cima, haja um afastamento da prática religiosa. Mas é uma cidade que tem tradições religiosas muito vivas, muito fortes, talvez superadas aqui no vale do Jaguaribe só mesmo pela cidade de Russas, onde a tradição e a prática religiosa continuam muito mais fortes. É até estranho porque aqui é a sede da Diocese. Nota-se, por exemplo, que a população rural, aquela que habita na zona suburbana ainda é muito mais freqüentadora da Igreja do que mesmo a população urbana. Mas isso são oscilações normais na vida das comunidades. Eu acredito que o fundamento, aquela fé mais profunda do nosso povo, se mantém constante.Houve, quando da criação da Diocese, um imenso trabalho e um admirável espírito de solidariedade para, por exemplo, a constituição do seu patrimônio e para a criação das grandes escolas tradicionais que nós temos. Quer dizer: é também um povo que tinha um sentido de solidariedade muito grande. Talvez hoje, não sei, isso seja menos. Mas Limoeiro se caracterizava por isso. Até as lideranças políticas, que divergiam no tempo das campanhas, se solidarizavam quando se queria realizar qualquer coisa de grande importância para o bem público da comunidade, para o bem público da nossa cidade.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O pastor e sua aldeia - parte II


Se eu quisesse caracterizar o povo da minha cidade, eu diria que Limoeiro é uma cidade realmente acolhedora; é uma cidade aberta, não obstante ter ficado muito tempo à margem das vias de comunicação, aquela que a gente chamava antigamente de Transnordestina, hoje BR-116. Limoeiro ficou isolada, pois a ponte que nos liga à BR e o ramal são coisas recentes. A ponte data de 64, 65, e esse ramal é mais ou menos contemporâneo.
No entanto, na história da nossa cidade, bem no fim da década de 30, houve um acontecimento, um fato, uma realização importante dos nossos pais e avós, que foi criar na cidade uma rede de escolas de 1º e 2º graus, começando pelo Grupo P.e Joaquim de Menezes, depois Escola Normal de Limoeiro, Colégio Diocesano, Patronato e assim por diante. Essas escolas atraíram jovens não só do município de Limoeiro, mas dos municípios vizinhos e até de outras regiões do Estado. Acredito que isso tenha dado ao nosso povo essa qualidade, essa nota de acolhimento de todos aqueles que vêm de fora. Às vezes a gente, conversando, diz que Limoeiro se abriu demais; devia ter preservado um pouco a sua intimidade, a sua privacidade. Mas eu acredito que isso é realmente um fato positivo para o nosso povo. Nosso povo não faz nenhuma discriminação a quem quer que chegue aqui, se instale e queira trabalhar, e acolhe qualquer um como sendo mesmo limoeirense, haja vista aí a nossa câmara Municipal pelos títulos de cidadania que tem concedido a muitas dessas pessoas. Algumas realmente mereceram por trabalhos aqui realizados; outras talvez mais por questão de influência de natureza política ou amizade pessoal com algum vereador.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O pastor e sua aldeia - parte I

A primeira lembrança que eu tenho de Limoeiro data da minha infância, quando eu tinha doze anos e vim estudar aqui durante um ano, me preparando para entrar no Seminário em Fortaleza. Antes eu vinha, como todo garoto da roça, para aquelas festas religiosas tradicionais, especialmente a festa do Natal e o período do tempo da Páscoa, cumprindo aquele mandamento: confessar ao menos uma vez cada ano pela Páscoa da Ressurreição.
Bem, passando aqui um ano, eu participei da vida estudantil daquele tempo no Educandário Padre Anchieta, e ainda me lembro de que Limoeiro era muito mais animado, no sentido de congregar o povo para a realização de festas cívicas e religiosas. Isso, acredito, a cidade hoje perdeu muito. Também a cidade cresceu e os centros de interesse das pessoas hoje são outros. A entrada da televisão, por exemplo, é um fato que todo o mundo conhece. Em vez de aumentar a comunicação entre as pessoas, fez com que estas se isolassem mais um suas casas, nos seus lares. O ponto de atração é, na verdade, a telinha da televisão.
No meu tempo de seminário, o tempo de férias eu passava quase sempre lá no Sapé, onde nasci, mas tinha muito contato com a cidade, especialmente no que se refere ao meio religioso. Desde 1953 minha vida passou a se identificar com a vida da própria cidade, tanto no setor do trabalho de educação quanto naquilo que é uma atividade minha, específica, como um ministro da Igreja.

domingo, 4 de janeiro de 2009

A dor que deveras sente

Câmara escura

Eu queria fazer um poema em que as palavras
fossem a medida exata do que eu quisesse dizer.

Não escrevi o poema...

Eu queria um amor que da chama tivesse o ardor,
o brilho, o dom de mover-se graciosamente,
resistindo ao vento e recuperando-se vertical
em suas raízes profundas.

Desisti de amar...

Eu queria uma fé que fizesse ver o visível e o invisível
com a segurança do garoto que vaga de olhos fechados
por todos os desvãos de sua casa.

Tropecei no primeiro paradoxo...

Descobri, afinal, que o verdadeiro poema
é o por-fazer-se-com-palavras, chamas,
que o amor é o por-achar-se no que não tem medida,
que a fé é o poema que ainda não escrevi
e o amor que ainda não achei na câmara escura da vida.

(18.abril.1995)





Meu rio

Meu rio é como se fosse.
Tem a graça feminina
de prometer (e não cumprir).
Fecunda as águas perenes
e segredos sussurrados
nas ramas das ingazeiras.
(Choveu encheu...)
Espumante torrente ainda há pouco.
(Correu, mar bebeu...)
Agora modesto regato.
Não se passa no meu rio duas vezes...
Rio sem liquidez.
Mas tem fúrias napoleônicas...
Sangrou em Orós.
Saltou barrancos em Jaguaribe.
Rugiu em Castanhão.
Acuou em Tabuleiro.
Espreguiçou-se nas várzeas do Limoeiro.
Sumiu nas águas baixas do Aracati.
Meu rio, já!
Rio dos Jagurares.
(Abril/maio de 1986)






Rumores de ante-sesta



Além bate um martelo
no metal de uma voz radiofônica,
e estilhaços de som de uma balada
me ferem em semi-sono.
Zumbidos indistintos se desmancham
nos túneis dos ouvidos.
Tênues raízes de um sonho
flutuam em água turva.
Pouco a pouco habito um mundo informe
por trás dos olhos cegos e do ouvido surdo.
Infinito parênteses,
sem dor, sem alegria do que fui,
nada mais
que uma vaga lembrança inconseqüente.